terça-feira, 16 de março de 2010

A complicada arte de ver....

A complicada arte de ver


A complicada arte de ver


Rubem Alves
colunista da Folha de S.Paulo



Ela entrou, deitou-se no divã e disse: "Acho que estou ficando louca". Eu fiquei em silêncio aguardando que ela me revelasse os sinais da sua loucura. "Um dos meus prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentões _é uma alegria! Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas de vezes: cortar cebolas. Ato banal sem surpresas. Mas, cortada a cebola, eu olhei para ela e tive um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anéis perfeitamente ajustados, a luz se refletindo neles: tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica. De repente, a cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte para ser vista! E o pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões... Agora, tudo o que vejo me causa espanto."
Ela se calou, esperando o meu diagnóstico. Eu me levantei, fui à estante de livros e de lá retirei as "Odes Elementales", de Pablo Neruda. Procurei a "Ode à Cebola" e lhe disse: "Essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os poetas. Veja o que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro: 'Rosa de água com escamas de cristal'. Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta... Os poetas ensinam a ver".

Ver é muito complicado. Isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos dos sentidos, são os de mais fácil compreensão científica. A sua física é idêntica à física óptica de uma máquina fotográfica: o objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro. Mas existe algo na visão que não pertence à física.

William Blake sabia disso e afirmou: "A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê". Sei disso por experiência própria. Quando vejo os ipês floridos, sinto-me como Moisés diante da sarça ardente: ali está uma epifania do sagrado. Mas uma mulher que vivia perto da minha casa decretou a morte de um ipê que florescia à frente de sua casa porque ele sujava o chão, dava muito trabalho para a sua vassoura. Seus olhos não viam a beleza. Só viam o lixo.

Adélia Prado disse: "Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra". Drummond viu uma pedra e não viu uma pedra. A pedra que ele viu virou poema.

Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem. "Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. Não basta abrir a janela para ver os campos e os rios", escreveu Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido. Nietzsche sabia disso e afirmou que a primeira tarefa da educação é ensinar a ver. O zen-budismo concorda, e toda a sua espiritualidade é uma busca da experiência chamada "satori", a abertura do "terceiro olho". Não sei se Cummings se inspirava no zen-budismo, mas o fato é que escreveu: "Agora os ouvidos dos meus ouvidos acordaram e agora os olhos dos meus olhos se abriram".

Há um poema no Novo Testamento que relata a caminhada de dois discípulos na companhia de Jesus ressuscitado. Mas eles não o reconheciam. Reconheceram-no subitamente: ao partir do pão, "seus olhos se abriram". Vinícius de Moraes adota o mesmo mote em "Operário em Construção": "De forma que, certo dia, à mesa ao cortar o pão, o operário foi tomado de uma súbita emoção, ao constatar assombrado que tudo naquela mesa _garrafa, prato, facão_ era ele quem fazia. Ele, um humilde operário, um operário em construção".

A diferença se encontra no lugar onde os olhos são guardados. Se os olhos estão na caixa de ferramentas, eles são apenas ferramentas que usamos por sua função prática. Com eles vemos objetos, sinais luminosos, nomes de ruas _e ajustamos a nossa ação. O ver se subordina ao fazer. Isso é necessário. Mas é muito pobre. Os olhos não gozam... Mas, quando os olhos estão na caixa dos brinquedos, eles se transformam em órgãos de prazer: brincam com o que vêem, olham pelo prazer de olhar, querem fazer amor com o mundo.

Os olhos que moram na caixa de ferramentas são os olhos dos adultos. Os olhos que moram na caixa dos brinquedos, das crianças. Para ter olhos brincalhões, é preciso ter as crianças por nossas mestras. Alberto Caeiro disse haver aprendido a arte de ver com um menininho, Jesus Cristo fugido do céu, tornado outra vez criança, eternamente: "A mim, ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as coisas. Aponta-me todas as coisas que há nas flores. Mostra-me como as pedras são engraçadas quando a gente as têm na mão e olha devagar para elas".

Por isso _porque eu acho que a primeira função da educação é ensinar a ver_ eu gostaria de sugerir que se criasse um novo tipo de professor, um professor que nada teria a ensinar, mas que se dedicaria a apontar os assombros que crescem nos desvãos da banalidade cotidiana. Como o Jesus menino do poema de Caeiro. Sua missão seria partejar "olhos vagabundos"...

Rubem Alves, 71, educador, escritor. Livros novos para crianças e adultos-crianças: "Os Três Reis" (Loyola) e "Caindo na Real: Cinderela e Chapeuzinho Vermelho para o Tempo Atual" (Papirus).
Site: www.rubemalves.com

Voo alto!!!!

Contam nossos avós que um aviador solitário retornava de viagem, quando foi surpreendido por violenta tempestade.

Experiente, permaneceu tranqüilo, prosseguindo no rumo que para si mesmo traçara.

Não seria a primeira tempestade que enfrentaria. E, com certeza, não seria a última.

De repente, começou a ouvir um estranho ruído. De início, não deu maior atenção. Contudo, pouco depois, o barulho aumentou, preocupando-o.

Começou a vasculhar sua cabine e se deparou com um rato roendo um dos canos condutores de combustível.

Ele não sabia o que fazer para se livrar daquele importuno passageiro, que poderia levá-lo à queda.

Não poderia agarrá-lo e jogá-lo para algum canto, porque nesses movimentos poderia desestabilizar o avião.

Achou que poderia pousar em um aeroporto e se livrar do incômodo passageiro, mas, por causa da tempestade, isso era impossível.

Enquanto maquinava em sua mente a atitude correta a tomar, percebeu que o rato sofria para respirar na altura em que estavam.

Rapidamente, ele tomou a decisão e começou a voar mais alto, cada vez mais alto.

Finalmente, o rato não suportou a altura e morreu.

O piloto então pode prosseguir a sua viagem, chegando a seu destino, conforme desde o início planejara.

Na vida, somos surpreendidos, às vezes, por incômodas situações, semelhantes à do piloto.

O avião em que nos encontramos é nossa própria vida e o passageiro inesperado pode ser qualquer um.

Qualquer um que despeje calúnias e mentiras ao nosso redor, no intuito de nos fazer cair.

Então, quando nos percebermos em iminente perigo de queda, desistindo de prosseguir, façamos como o piloto.

Voemos mais alto, cada vez mais alto, deixando para trás os difamadores.

Todo caluniador, toda pessoa que a outrem deseja destruir o faz por inveja ou por não conseguir chegar onde o outro está.

Assim, como eles não agüentam as grandes alturas, não mais nos alcançarão e poderemos prosseguir nossa viagem, rumo às estrelas.

Que nada nos detenha. Não abandonemos a rota que traçamos de conquistas positivas, de atitudes altruístas porque alguém nos joga lama, ou nos deseja puxar para baixo.

Voemos mais alto. Olhemos sempre para cima, para o objetivo que desejamos alcançar.

Seja ele a conquista de um diploma, uma carreira, um sonho. A vontade de crescer, de ser melhor.

De ajudar alguém. De servir mais à comunidade. De ser um homem de bem.

Voemos sempre mais alto.

***

Se a maldade engendrar calúnias e colocar armadilhas em seu caminho, não se entristeça.

Pense que aqueles que assim agem são infelizes por si mesmos. E prossiga no seu propósito de ser melhor a cada dia.

Melhore sua disposição para as coisas positivas. Conquiste mais amigos a cada passo. Imite os bons.

Tome providências felizes. Estude mais. Leia mais. Nunca perca o bom senso.

E voe sempre mais alto, cada vez mais alto.



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